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14/02/2021 às 07h00min - Atualizada em 14/02/2021 às 07h00min

Aída Curi: a tragédia que não quer ser esquecida.

Caso de 1958 inspirou o debate no STF sobre o 'direito ao esquecimento'

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REPRODUÇÃO
Aída Curi: a tragédia que não quer ser esquecida.
 
A nossa pouca memória não está sendo suficiente para colocar na gaveta do esquecimento um dos mais trágicos acontecimentos desta civilização em construção: o assassinato da jovem Aída Curi. Um processo que corre no STF – Supremo Tribunal Federal, contra a Rede Globo de Televisão, acendeu mais uma vez a fogueira das lembranças em torno do fato. Se compararmos o Brasil de 63 anos passados com o país que hoje temos, veremos que muito pouca coisa mudou. Aqui, o dinheiro sempre fala mais alto e a vilania, por mais insana que possa parecer, atrai parte considerável da opinião pública.

O processo contra a Globo foi movido pela família de Aída Curi. Depois de uma reportagem especial no programa Linha Direta, já fora do ar, os parentes querem que o caso entre no esquecimento e uma indenização da emissora. Como o fato é público e foi motivo de manchetes e especiais em diversos jornais, revistas, emissoras de rádio e tv, a Rede Globo se defendeu. O caso passou por várias instâncias e está no último degrau da Justiça: o STF. O julgamento é tão histórico quanto o fato em si. Vamos estabelecer se tragédias devem ser esquecidas, dando tranquilidade às famílias afetadas, ou se devem sempre ser lembradas como argumento para uma sociedade justa ou injusta.

Livro do Monsenhor Maurício.
A conduta da família parece entrar em franca contradição. O processo é assinado pelos irmãos da falecida. Um deles, o Monsenhor Maurício Curi, único padre católico melquita brasileiro com ascendência árabe da história dos melquitas no Brasil, até onde se sabe Vigário Patriarcal e Pároco da Igreja da Imaculada Concepção, no Cairo – Egito, vem lutando para preservar a história de injustiça vivida pela irmã. Monsenhor Maurício é mais novo que Aída Curi, nascido um ano depois dela. Ele escreveu um livro com a biografia completa da irmã e entrou com pedido no Vaticano para canonização de Aída, numa clara tentativa de eternização da história. Para efeito de comparação, Santa Maria Goretti viveu semelhante luta. Foi morta a facadas, quando ainda com 12 anos, porque se recusou a ter relações sexuais com seu assassino. O caso Aída Curi ainda não foi analisado pela Igreja.

Em Aída Curi – O preço foi a própria vida, Maurício Curi detalha a vida da irmã e o trágico dia da morte da garota aos 18 anos defendendo sua castidade. Foi torturada até a exaustão por três rapazes e resistiu. Antes do fato, é preciso conhecer toda a história.

Aída Jacob Curi nasceu a 15 de dezembro de 1939, em Belo Horizonte, MG, terceira dos cinco filhos do casal Gattás Assad Curi e Jamila Jacob Curi, originários de Saydnaya, Síria. Pertenciam à Igreja Melquita Católica de lá. Seus irmãos, além de Maurício, eram Nelson, Roberto e Waldir. Aída perde o pai em 1944 e sua mãe Jamila precisava trabalhar para sustentar a casa. Ao mesmo tempo, teria que cuidar da educação dos filhos. Com exceção do mais velho, Nelson, todos tinham menos de 10 anos. Dona Jamila foi com os filhos para a Escola Moreira, no Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal. Aída Curi, aos seis anos, teve que se separar dos irmãos para poder ir estudar no Educandário Gonçalves de Araújo, para meninas órfãs, em São Cristóvão, na mesma cidade. Lá ficou por 12 anos e solidificou sua formação religiosa. Os irmãos foram para o seminário dos padres salvatorianos em Jundiaí, SP.

Com uma colega no Seminário.
No dia 31 de maio de 1956, antes de completar 17 anos, Aída Curi, depois de se confessar com o Cardeal Dom Jaime de Barros Câmara num retiro espiritual, escreve em seu diário: “Estou muito contente porque Jesus está no meu coração e minha alma está pura. Maria, ajudai-me a amar sempre a Jesus e antes morrer do que pecar”. Embora tivesse tudo para ingressar na vida religiosa, não o fez. Chegou a escrever que não sentiu o chamado de Deus. Após 12 anos, saiu do colégio para começar nova vida, sem deixar de lado seu ritual religioso. Começou então a estudar datilografia, inglês e português. Nas horas vagas ajudava o irmão na loja dele.  

Aos 17 anos.
Um dia dona Jamila Curi chamou atenção de Aída para a malandragem de alguns grupos de jovens no Rio. Que ela tomasse cuidado e não confiasse em ninguém. “Aqui no mundo devemos desconfiar de tudo e de todos. Não queira imitar as tais mocinhas que se dizem modernas”. Dois dias antes da sua morte, Aída tranquilizou sua mãe. Disse que não se preocupasse. “Eu lutaria até morrer, mas ninguém há de me encostar um só dedo. Nunca irei permitir que a senhora se envergonhe por minha causa.”. Sete meses depois de sair do seminário, Aída estava num ritmo frenético. Estudava datilografia três vezes por semana, das 18h às 19h, em Copacabana; chegava em casa por volta das 20 horas. No dia 14 de julho de 1958, Aída não chegou no horário costumeiro e sua mãe achou tudo muito estranho.  

Ronaldo Guilherme Castro
Saiu Aída do curso de datilografia com uma colega naquele dia e foram abordadas por alguns rapazes da Rua Miguel Lemos. Um deles era Ronaldo Guilherme de Souza Castro, playboy de má fama. Aos 19 anos já tinha uma ficha considerável de badernas, roubos, agressões e expulsões de escolas, além de boletim sempre no vermelho. Apesar de ter esse invejável currículo, era protegido pelo pai, o empresário espírito-santense Edgar Castro. Aída foi levada à força por Ronaldo Castro e Cássio Murilo, de 17 anos, ao topo do Edifício Rio Nobre, no bairro de Copacabana. Ajudados pelo porteiro Antônio Sousa, tentaram estuprá-la, num processo conhecido na época como curra. De acordo com a perícia, ela foi submetida a pelo menos trinta minutos de tortura e luta intensa contra os três agressores, até desmaiar. Para encobrir o crime, os agressores jogaram a jovem do décimo segundo andar do prédio, tentando simular um suicídio.

 Cássio Murilo
De acordo com o laudo, Aída sofreu escoriações antes de ser jogada do edifício. Foram unhadas, socos e tentativa de estrangulamento, mas morreu virgem. Houve três julgamentos. No primeiro, Ronaldo pegou 37 anos e o porteiro 30. Cássio não foi julgado por ser menor. Parte da imprensa e os seguidores dos playboys de óculos escuros acharam a pena muito dura. A morte daquela garota não merecia tanto. Veio então um segundo julgamento e, como estamos no Brasil, todos foram inocentados. O porteiro Antônio Sousa aproveitou a sentença e desapareceu. Nunca mais foi localizado. O escândalo da não condenação, que envolveu até compra de testemunhas falsas pelo pai de Ronaldo, forçou um terceiro julgamento. Ao final, Ronaldo Castro foi inocentado da acusação de homicídio e condenado apenas por atentado violento ao pudor e tentativa de estupro, pegando 13 anos de cadeia. Depois de cumprir a pena de oito anos e nove meses, Ronaldo foi solto do presídio no Espírito Santo.

O porteiro Antônio Souza.
Mas alguém empurrou a garota do prédio! Sim, aproveitaram as Leis brasileiras, feitas de encomenda para salvar poderosos, e colocaram o crime nas costas de Cássio Murilo Ferreira. Era menor e não poderia responder por isso. A indignação tomou conta do país. O repórter Saulo Gomes, da revista O Cruzeiro, não mediu palavras e disse que  ”O júri salvou o tarado currador, mas, ao mesmo tempo, morreu no conceito público como instituição de justiça. A absolvição desse asqueroso Ronaldo veio demonstrar que justiça nesta terra parece que ainda tem de ser feita com as próprias mãos. Graças a Deus que as palmas batidas na hora em que o Juiz pronunciou a sentença absolutória partiram de blocos de rapazes e moças transviados, que agora têm em Ronaldo o seu ídolo e o seu patrono.” Parece que foi hoje que o fato aconteceu. Há assassinos, matadores, corruptos e genocidas venerados por boa parte da população. Pouca coisa mudou de lá para cá e, aquilo que mudou, está correndo sério perigo de desaparecer.  

Copacabana na época da Juventude Transviada
Apesar de tudo, as coisas não foram ruins para os estupradores e assassinos. Viraram celebridades na época. Ídolos entre os jovens, frisson das moçoilas. Tudo que usavam virava moda. Os óculos e a jaqueta do Ronaldo passaram a ser febre de consumo no Rio, Espírito Santo e São Paulo. Ronaldo virou empresário capixaba e Cassio Murilo, após cumprir o serviço militar, continuou sendo um jovem transviado. Só o tempo para corrigir injustiças ou esperar a justiça divina. Pouco depois, Cassio Murilo foi acusado de ter matado um vigia de uma loja de automóveis, fugindo para o exterior até que a pena pelo assassinato fosse prescrita.

Para Ronaldo Castro sobrou o mundo contra ele. O poder financeiro do pai, que influenciou decisivamente no resultado do Júri, não seria suficiente para apagar a palavra assassino na boca do povo. Virou empresário no interior do Espirito Santo, vivendo no ostracismo. Falam que chegou a se casar e teve um filho envolvido com drogas. Lutou para salvar a criança. Ninguém sabe se conseguiu. Chegaram a vê-lo a vagar pelas ruas, velho e quebrado financeiramente. Muitos o compararam a um mendigo. Se estiver vivo, Ronaldo Castro deve estar em torno dos 82 anos. Do fato, até sua saída da cadeia, perdeu cerca de 13 anos de sua vida e deve ser sempre lembrado pelo crime que cometeu e não foi condenado devidamente. Certamente se questiona todo dia se valeu a pena. É óbvio que não!

Túmulo de Aída Curi: antes morrer que pecar.
Também não valerá a pena a morte brutal sofrida por Aída Curi. Colocar um fato desse no esquecimento é condenar um país a não se consertar. É também dar munição aos manipuladores e aproveitadores da Justiça. É fazer com que uma elite, que se julga acima da lei e da ordem, continue na sua trajetória de achar que com o dinheiro se resolve tudo. É fazer com que outros tipos como Edgar Castro continuem a fazer as vontades dos seus filhos, colocando-os como seres especiais porque são seus filhos. É um desserviço à construção de uma sociedade igualitária, proba, progressista e verdadeiramente democrática. Exemplos como esse, apesar de toda a tragédia, devem ser sempre usados para melhorarmos nossa ação social todos os dias. Se Aída Curi fosse santificada, seria até melhor.

Fontes de fotos e pesquisa:
1 – Facebook de Monsenhor Maurício Curi – 2 – Revista O Cruzeiro – 3 – Revista Manchete – 4 – Wikipédia – 5 – Facebook Memória Capixaba/Fábio Pirajá – 6 – Década de 50 blogspot,com/Juventude Transviada – 7 – Túmulo Cemeteres & grave-yards – 8 – Noite Sinistra – 9 – Revistas UFPR – 10 – Quiabo Doido – 11 – Justificando – 12 – Túmulos Famosos do Brasil.

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