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11/06/2022 às 08h10min - Atualizada em 11/06/2022 às 08h10min

Indigenista desaparecido no Amazonas denunciou garimpeiros por ataques contra agentes

Servidores da Funai assinaram ofício citando ação contra o garimpo ilegal como a possível motivação de crimes

Gabriel Hirabahasi / Gabriela Coelho / Henrique Andrade / Nathallia Fonseca
UOL
Bruno Pereira (à esq.) esteve em expedição na Amazônia antes de se encontrar com o jornalista inglês Dom Phillips - Imagem: Arquivo Pessoal
Mesmo após ser exonerado pela Funai (Fundação Nacional do Índio), Bruno Araújo Pereira assinou ofício com outros dez servidores encaminhado à DPU (Defensoria Pública da União) para denunciar oito ataques a tiros no Vale do Javari (AM) e um assassinato em pouco mais de um ano. É a mesma região onde o indigenista e o jornalista Dom Phillips, do The Guardian, desapareceram no dia 5.

Documento obtido pelo UOL apontou "sucessivos ataques com armas de fogo" concentrados em 2019, criticou cortes orçamentários no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro e ameaçou fazer a "paralisação das atividades" devido ao risco de morte na região amazônica. Cinco desses ataques foram contra servidores na base de proteção etnoambiental Ituí-Itaquaí. "Apesar dos registros em relatórios, boletins de ocorrência e evidências coletadas, nenhuma atitude eficaz foi tomada pela administração", denunciou o documento, enviado à DPU em 4 de novembro de 2019, um dia após o 8º ataque em pouco mais de um ano.

Os últimos dois atentados relatados ocorreram em um intervalo de apenas três dias em uma escalada de violência, de acordo com o registro assinado pelos servidores da Funai em áreas de índios isolados e de recente contato. "Antes, os invasores se evadiram ao avistar as equipes [de vigilância]. Nos últimos anos, porém, a realidade passou a mudar de forma gradativa, caracterizada pela presença cada vez maior de audácia e violência", citou o documento.

Após serem avistados na noite de 31 de outubro de 2019 por um colaborador da Funai de plantão, que usa lanterna para inibir invasores de uma área indígena, um grupo composto por seis a oito homens em uma canoa efetuaram ao menos oito disparos na direção da guarita onde estava o plantonista, conforme constatado em áudio anexado à denúncia encaminhada à DPU. Ainda de acordo com o relato, o grupo de invasores carregava "recursos ambientais de procedência ilegal" em uma embarcação com cerca de 12 m.

Na madrugada de 3 de novembro de 2019, três homens em uma canoa com 8 m no rio Ituí atiraram três vezes contra um servidor em uma guarita após o acionamento de alarme sonoro para invasores. Ninguém se feriu nos ataques. O documento citou o assassinato de Maxciel Pereira dos Santos, colaborador da Funai morto a tiros em setembro de 2019 em Tabatinga (AM), a 32 km de Atalaia do Norte, local de destino do jornalista inglês e do indigenista antes do sumiço.

O homicídio nunca foi esclarecido. O documento cita a ação contra o garimpo ilegal como a possível motivação do crime. Cabe informar que apesar de a relação com parte do entorno da terra indígena ser, desde sua demarcação, de animosidade e divergência de entendimentos, nunca houve relatos de pressão tão intensa contra a Funai.". (Trecho do documento enviado à DPU)

Exonerado da Funai em outubro de 2019, mês anterior à confecção do relatório, Bruno relacionou a sua saída ao combate contra o garimpo. "Fizemos [em setembro de 2019] a maior destruição de garimpo do ano em região de índios isolados. A última operação de combate à mineração foi na reserva Yanomami. Cheguei à tarde e recebi minha exoneração", disse à época ao site Brasil de Fato.

O relatório também apontou a inexistência de policiamento eficiente na região, o que facilitava a ação de invasores armados, segundo o texto. E criticou a exoneração de Bruno, que coordenava as ações na área de índios isolados e de recente contato. "A exoneração sem nenhum motivo conhecido representa um retrocesso histórico da política pública para a proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato", citou o documento.

Em nota, a Funai informou que faz "ações permanentes" de monitoramento, fiscalização e vigilância no Vale do Javari. "A proteção das aldeias é uma das prioridades na atuação da Funai", escreveu. O órgão não respondeu, contudo, sobre as denúncias de ataques aos servidores. A Funai disse ter tido aumento de 68,4% de servidores temporários na Amazônia Legal, mas não informou quando foi feito esse reforço. Também disse ter prorrogado a contratação de 640 temporários para atuação em barreiras sanitárias para prevenção da covid-19 em terras indígenas.

"Quando ele [Bruno] saiu após relatar tudo, olhei para o meu assessor e ele estava em estado de choque. Aí, ele disse: 'Eu estava ouvindo o Bruno falar e fiquei imaginando que ele pode ser assassinado a qualquer momento por lutar pelo que acredita'", lembrou Renan Sotto Mayor, defensor público da União. Sotto Mayor criticou a precariedade das políticas públicas de proteção voltadas às comunidades indígenas da região nos últimos anos e também relacionou a saída de Bruno da Funai ao combate ao garimpo. "O Bruno conhecia o Vale do Javari como a palma da mão e fazia o enfrentamento ao garimpo em áreas indígenas. Com a saída dele [da Funai], essas políticas infelizmente foram diminuindo", analisa.

Mesmo após a saída da Funai, o indigenista continuou na região, prestando assessoria à Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). "O Bruno estava ali como se estivesse em atividade privada. Foi a forma que encontrou de lutar pelos direitos dos povos indígenas. A Univaja não precisaria tomar essas atitudes, se o Estado estivesse ocupando a região para impedir ilegalidades", disse Sotto Mayor.

Segundo o defensor público, a luta de Bruno motivou o encontro com o jornalista Dom Phillips. "Ele sempre acreditou no papel da imprensa. E, por isso, estava levando o Dom Phillips para que a imprensa internacional pudesse verificar a ausência do Estado no Vale do Javari."

Paulo Barbosa da Silva, coordenador-geral da Univaja, disse que o repórter inglês fotografou invasores armados que ameaçavam indígenas. Segundo ele, esses homens seriam ligados a Amarildo da Costa de Oliveira, 41, preso em flagrante na última terça-feira (7) por posse de drogas e de munição de uso restrito e apontado como suspeito de envolvimento no sumiço. A defesa de Amarildo nega envolvimento dele com o desaparecimento.

O episódio em que Dom fotografou homens armados ocorreu dois dias antes do desaparecimento, na divisa de um território indígena, de acordo com Barbosa. "O Bruno e o Dom Phillips foram visitar a equipe da Univaja quando um grupo de invasores esteve lá. Eles ficaram mostrando arma de fogo, para ameaçar. O jornalista tirou a foto, e os invasores voltaram para a comunidade deles, que fica na área [do suspeito preso]", relata.

Ao menos oito pessoas foram ouvidas, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas. O MPF (Ministério Público Federal), que abriu investigação do caso, acionou Polícia Federal, Polícia Civil, Força Nacional e Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari.

Entidades internacionais e autoridades britânicas cobraram celeridade e empenho do governo brasileiro nas buscas. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso determinou na sexta (10) que o governo federal adote "todas as providências necessárias" para achar Dom e Bruno.

A equipe de busca e salvamento vasculha os rios Javari, Itaquaí e Ituí desde segunda-feira (6). Militares da Capitania Fluvial de Tabatinga (AM), duas lanchas, uma moto aquática e um helicóptero estão sendo usados nos trabalhos, segundo a Marinha. Mergulhadores também foram acionados.

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