Guilherme Mazui / Mariana Laboissière / Gustavo Garcia / Mateus Rodrigues / Ana Flávia Castro / Don Carlos Leal
Lula discursa na 79ª Assembleia Geral da ONU. - Foto: Angela Weiss /AFP / Reprodução O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou nesta terça-feira (24), em Nova York, na abertura do debate de chefes de Estado e de governo da 79ª edição da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O brasileiro foi o primeiro chefe de Estado a discursar no debate geral. Por tradição, cabe ao Brasil abrir os discursos no encontro anual dos líderes dos mais de 190 países da ONU.
Lula compareceu à Assembleia Geral acompanhado da primeira-dama, Janja; dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); do ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira; e do assessor especial e ex-chanceler Celso Amorim. Outros ministros que acompanham a viagem, como Marina Silva (Meio Ambiente) e Fernando Haddad (Fazenda), não puderam acompanhar as falas no plenário das Nações Unidas por limitações de espaço para cada delegação.
Veja neste texto os principais trechos do discurso de Lula sobre:
Palestina e guerras;
crise climática;
fome e insegurança alimentar;
reforma da ONU;
democracia;
América Latina;
inteligência artificial;
recurso para países pobres e crítica a bilionários.
Palestina e guerras
O apoio à luta dos palestinos por um território próprio foi o primeiro tema citado por Lula, antes mesmo de iniciar formalmente o discurso. "Dirijo-me em particular à delegação palestina, que integra pela primeira vez essa sessão de abertura, mesmo que ainda na condição de membro observador", disse Lula logo na abertura do discurso, saudando a presença do presidente da Palestina, Mahmoud Abbas.
Ao criticar a existência de conflitos simultâneos na Ucrânia e no Oriente Médio, Lula voltou a apontar a falta de instrumentos das Nações Unidas para interromper guerras ou punir envolvidos. "Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional. Vivemos um momento de crescentes angústias, tensões, frustrações e medo. Testemunhamos a alarmante escalada de disputas geopolíticas e rivalidade estratégicas", disse.
"2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial. Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram mais de 2,4 trilhões de dólares. Esses recursos poderiam ter sido utilizados para combater a fome e enfrentar a mudança do clima", prosseguiu.
"O uso da força sem amparo no direito internacional está se tornando a regra. Presenciamos dois conflitos simultâneos com potencial de se tornarem conflitos generalizados." Ao abordar a crise climática global, Lula falou que não é possível "desplanetizar" a vida em comum – e que o planeta está "condenado à interdependência".
"O planeta já não espera para cobrar da próxima geração, e está farto de acordos climáticos que não são cumpridos. Está cansado de metas de redução da emissão de carbono negligenciadas, do auxílio financeiro aos países pobres que nunca chega", disse. "O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global, e 2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna", afirmou, citando catástrofes ao redor do mundo.
"No Sul do Brasil, tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades e nem abdica de sua soberania", disse.
"Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer muito mais. Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado", seguiu.
"É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis", completou.
Fome e insegurança alimentar
Lula voltou a usar a tribuna das Nações Unidas para cobrar esforços globais de erradicação da fome e da insegurança alimentar. Para isso, usou dados da própria agência das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
"O número de pessoas passando fome ao redor do planeta aumentou em mais de 152 milhões desde 2019. Isso significa que 9% da população mundial (733 milhões de pessoas) estão subnutridas. O problema é especialmente grave na África e na Ásia, mas ele também persiste em partes da América Latina", enumerou o presidente.
"Mulheres e meninas são a maioria das pessoas em situação de fome no mundo. Pandemias, conflitos armados, eventos climáticos e subsídios agrícolas dos países ricos ampliam o alcance desse flagelo", apontou. Lula disse, ainda, que a "fome não é resultado apenas de fatores externos" e que "decorre, sobretudo, de escolhas políticas".
"A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que lançaremos no Rio de Janeiro em novembro, nasce dessa vontade política e desse espírito de solidariedade. Ela será um dos principais resultados da presidência brasileira do G20 e está aberta a todos os países do mundo. Todos os que queiram se somar a esse esforço coletivo são bem-vindos", disse.
Reforma da ONU
O tema não é novidade na pauta externa do Brasil, nas falas de Lula durante viagens internacionais e nem mesmo nos discursos do presidente na Assembleia Geral da ONU.
Desta vez, no entanto, Lula apresentou propostas "mais claras" sobre o que defende ao falar de uma reforma da ONU e dos sistemas multilaterais (que envolvem múltiplas nações). Lula criticou, por exemplo, o fato de a ONU nunca ter tido uma mulher como secretária-geral, posto máximo da entidade. E a paralisia de sistemas das Nações Unidas como o Conselho de Segurança.
"Não bastam ajustes pontuais. Precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta [da ONU]", disse Lula.
Segundo o presidente brasileiro, a reforma deve ter os seguintes objetivos:
"a transformação do Conselho Econômico e Social no principal foro para o tratamento do desenvolvimento sustentável e do combate à mudança climática, com capacidade real de inspirar as instituições financeiras";
"a revitalização do papel da Assembleia Geral, inclusive em temas de paz e segurança internacionais";
"o fortalecimento da Comissão de Consolidação da Paz";
"a reforma do Conselho de Segurança, com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas".
O presidente também criticou, com ênfase, a ausência do chamado "Sul Global" nas cadeiras permanentes do Conselho de Segurança – principal instância das Nações Unidas para lidar com conflitos armados e ameaças nucleares, entre outros temas.
Desde a fundação da ONU, o Conselho de Segurança é composto pelos mesmos cinco membros: Estados Unidos, França, Inglaterra, China e Rússia. "A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial", disse Lula.
Democracia
Mesmo em discurso voltado a mais de 190 líderes em todo o mundo, Lula reservou um trecho para falar sobre a defesa da democracia no Brasil – e mandar recados para opositores internos.
"No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento. Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários", disse.
"A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência. No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas", emendou, sem citar nomes.
'No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias', diz Lula na ONU
América Latina
No discurso, Lula afirmou que a América vive desde 2014 uma "segunda década perdida" – com crescimento médio de apenas 0,9% ao ano, metade da chamada "década perdida" original nos anos 1980.
"Essa combinação de baixo crescimento e altos níveis de desigualdade resulta em efeitos nefastos sobre a paisagem política. Tragada por disputas muitas vezes alheias à região, nossa vocação de cooperação e entendimento se fragiliza."
"É injustificável manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem terrorismo, e impor medidas coercitivas unilaterais que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis", disse Lula, em crítica direta aos Estados Unidos. "No Haiti, é inadiável conjugar ações para restaurar a ordem pública e o desenvolvimento. No Brasil, a defesa da democracia implica ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento", listou.
Inteligência artificial
Ao tratar do tema, Lula afirmou que as "assimetrias" e a "concentração sem precedentes" da tecnologia na mão de poucas empresas e poucos países são desafios a serem enfrentados.
"Interessa-nos uma inteligência artificial emancipadora, que também tenha a cara do Sul Global e fortaleça a a diversidade cultural. Que respeite os direitos humanos, proteja dados pessoais e promova a integridade da informação. E, sobretudo, que seja ferramenta para a paz, não para a guerra", defendeu.
Lula também defendeu que haja uma "governança global" do tema, em que todos os países tenham voz – algo que, atualmente, não existe nem em caráter embrionário. "Necessitamos de uma governança intergovernamental da inteligência artificial, em que todos os Estados tenham assento", afirmou Lula.
Recursos para países pobres e crítica a bilionários
Lula voltou a defender que mecanismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial facilitem o acesso de países "de renda média e baixa" a financiamentos.
"Países da África tomam empréstimo a taxas até 8 vezes maiores do que a Alemanha e 4 vezes maior que os Estados Unidos. É um Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos", citou Lula.
O presidente também criticou os lucros recordes do setor privado e a fortuna acumulada de bilionários – sem citar nomes. E defendeu maior tributação dos ricos mundo afora.
"Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ficam para trás, as 150 maiores empresas do mundo obtiveram, juntas, lucro de 1,8 trilhão de dólares nos últimos dois anos. A fortuna dos 5 principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre", listou.
"Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem insistido na cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global."
Prévia no domingo
Dois dias antes do discurso na Assembleia Geral, no domingo, Lula já tinha dado uma "prévia" de seus temas da viagem a Nova York na Cúpula do Futuro, também organizada pela ONU.
O presidente cobrou mais "ambição e ousadia" de seus pares e criticou o ritmo lento de adoção das metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU.
"Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos, e caminham para se tornar o nosso maior fracasso coletivo. No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo", disse.
Lula repetiu a defesa por mudanças em organismos internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU, uma pauta que ele defende desde o primeiro mandato presidencial (2003-2006). O presidente entende que as estruturas atuais não representam a geopolítica atual.
"A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades", citou.
Discursos anteriores
Lula fez nesta terça seu oitavo discurso em aberturas de assembleias-gerais (2003, 2004, 2006, 2007, 2008, 2009, 2023 e 2024). Em 2005, o presidente fez pronunciamento em uma reunião que antecedeu o debate da Assembleia Geral. Na ocasião, o então chanceler Celso Amorim discursou na abertura do debate.
Combate à fome e à desigualdade, governança global, reforma do Conselho de Segurança da ONU e mudanças climáticas são temas recorrentes nos discursos de Lula.
As mudanças climáticas são abordadas pelo petista pelo menos desde 2004 e foram citadas em 2023, quando o presidente voltou a cobrar o financiamento, pelos países ricos, de ações para a preservação do meio ambiente nas nações emergentes.
Em 2023, Lula criticou o neoliberalismo e o surgimento de "aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas", mas sem especificar a quem estava se referindo.
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