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14/06/2024 às 13h49min - Atualizada em 14/06/2024 às 13h49min

PL do aborto mobiliza a sociedade e leva protestos às ruas em meio a silêncio do governo; Lira sinaliza recuo

'É importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras', pontuou Rodrigo Pacheco, presidente do Congresso

Camila Turtelli / Gabriel Sabóia / Don Carlos Leal
G1
Ato em Brasília contra a PL1904 - PL da Gravidez Infantil (PL 1904/24) proíbe a realização do aborto legal acima de 22 semanas gestacional em caso de estupro. - Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo / Reprodução
O projeto que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação a homicídio, cuja urgência foi aprovada a toque de caixa anteontem na Câmara, gerou ontem reações em diferentes frentes, com mobilizações nas redes sociais contra sua aprovação e também protestos nas ruas de capitais brasileiras. Diante do silêncio do governo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criticou a tramitação acelerada do projeto e sinalizou que a matéria terá análise mais lenta na Casa vizinha, se avançar. Em meio ao desgaste, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou e indicou a possibilidade de mudanças no texto do PL. O deputado afirmou que a proposta não abarcará casos em que hoje o procedimento é permitido por lei. Um eventual ajuste, porém, já enfrenta resistência das bancadas evangélica e católica no Congresso.

A estratégia de Lira para alterar o texto original, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), é designar para a relatoria uma mulher de um partido de centro, capaz de produzir uma proposta, na sua avaliação, “mais equilibrada”, ao não equiparar a homicídio casos de aborto legal. A legislação hoje permite que o procedimento seja feito quando há gravidez decorrente de estupro, fetos anencéfalos e risco à vida da gestante. Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo estabelecido.

O que diz o PL 1904/2024?
Para a mulher que faz aborto ilegalmente, a lei prevê detenção de um a três anos. Pelo texto de Sóstenes, o procedimento realizado após 22 semanas de gestação seria punido com reclusão de seis a 20 anos, inclusive em gravidez decorrente de estupro. A pena é a mesma prevista para o homicídio simples. Dessa forma, o projeto abre margem para que uma vítima do estupro tenha pena maior que a de seu agressor, já o crime de estupro, quando a vítima é uma adulta, tem pena máxima de dez anos. Lira afirmou ontem que a redação da forma que está não deve ir à frente.

— Se todo projeto fosse aprovado de acordo com o texto original, não precisava de relator. O que é permitido hoje na lei não será proibido, não acredito em apoio na Casa para isso — declarou o presidente da Câmara. — O tema será largamente debatido na Câmara pelas deputadas. O que estamos tratando com este projeto é sobre a assistolia fetal (procedimento feito para casos de aborto acima de 22 semanas) para os demais casos, não previstos em lei.

O que é a assistolia fetal?
O projeto de lei prevê que o aborto após a 22ª semana não deve ser feito com o procedimento de assistolia fetal. Recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para abortos após 20 semanas de gestação, a técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado adequado à mulher.

O PL foi apresentado em resposta à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão de uma resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para proibir a realização da assistolia fetal de gestações decorrentes de estupro. Moraes entendeu que a proibição restringiria a liberdade científica e o livre exercício profissional dos médicos e submetia meninas e mulheres à manutenção de uma gestação compulsória ou à utilização de técnicas inseguras para o aborto.

Sóstenes Cavalcante se manifestou contra a possibilidade de alterar o texto. — Se for necessário, incluímos no texto um aumento para a pena do estuprador também, mas discordo de mudança que atenue isso — defendeu o deputado. O autor do texto disse ainda que vai defender a inclusão na redação do aumento da pena para o crime de estupro para 30 anos. Ele também afirmou que escolherá junto com Lira a relatora: — Estamos construindo um nome juntos. Não será nem de esquerda nem de direita, será uma mulher de centro. O nome deve ser definido semana que vem.

Protestos pelo país
Atos convocados pela Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto levaram ontem manifestantes às ruas. Foram usadas expressões como “não ao PL do estupro” e “criança não é mãe”, em referência ao impacto de uma eventual restrição ao acesso ao aborto em casos de crianças — ter qualquer conjunção carnal ou ato libidinoso com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável.

No Rio, centenas de pessoas se reuniram na Cinelândia, no Centro. Em São Paulo, a manifestação se concentrou em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, e ainda foram registrados protestos contra Lira. Também foram organizados atos ontem em cidades como Brasília, Manaus, Recife, Florianópolis e Niterói (RJ).

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