21/08/2024 às 12h57min - Atualizada em 21/08/2024 às 12h57min
Senado aprova urgência para anular trechos do decreto de Lula e flexibilizar acesso a armas
A anulação já foi aprovada pela Câmara; se passar também pelo Senado, basta ser promulgada diretamente pelo próprio Congresso — sem o crivo de Lula
Kevin Lima / Sara Curcino / Don Carlos Leal
G1
Plenário do Senado durante votação do projeto que estendeu a desoneração. - Foto: Pedro França / Agência Senado / Reprodução O Senado aprovou nesta terça-feira (20) a urgência de uma proposta que anula trechos de um decreto do presidente Lula (PT) e flexibiliza restrições ao acesso às armas. A votação do conteúdo do projeto ficará para a terça (27) da próxima semana, segundo o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A urgência acelera a tramitação da matéria e a inclui na pauta mesmo que esteja sem relatório, por exemplo.
A derrubada das medidas já foi aprovada pela Câmara. Se aprovada pelos senadores, basta ser promulgada diretamente pelo próprio Congresso — sem passar pelo crivo de Lula. Ao todo, a proposta derruba seis regras — ainda válidas — estabelecidas pela norma editada pelo petista, em julho de 2023, para ampliar o controle sobre armamento no país.
No início do mandato, Lula assinou decreto que aumenta imposto sobre armas de fogo e munições. Em linhas gerais, o projeto:
retira qualquer tipo de controle a armas de pressão
permite o funcionamento de clubes de tiro próximos a escolas
acaba com um regime de progressão de nível para atiradores
e concentra poderes no Exército
O texto é fruto de um acordo entre a “bancada da bala” e o governo, em uma negociação que, na Câmara, passou até mesmo por conversas com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
A derrubada dos trechos é apoiada por associações que representam os CACs (Caçadores Atiradores e Colecionadores). E duramente criticada por entidades civis especialistas em segurança pública, como o Instituto Igarapé. O instituto avalia o texto como uma possibilidade de “colocar em xeque a eficácia do controle de armas restabelecido” durante o governo Lula.
Por outro lado, as confederações de tiro esportivo afirmam que a proposta dá fim a medidas que têm causado “constrangimentos e entraves ao pleno desenvolvimento das atividades desportivas”. A proposta envolve mudanças nas regras para:
clubes de tiro
flexibilização para armas
comprovações para atiradores
armas de pressão
trocas de armas
poder do Exército
Clubes de tiro
O projeto anula trecho do decreto de Lula e passa a permitir que clubes de tiro sejam instalados a menos de um quilômetro (km) de distância de creches, escolas e universidades públicas ou privadas. Segundo o relator da proposta, senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), a derrubada do trecho devolve aos municípios a competência para criar regras sobre a localização desses ambientes, que podem ou não contemplar distâncias mínimas de instituições de ensino.
O Instituto Igarapé afirma que 8 em cada 10 clubes de tiro estão a menos de 1 km de escolas. Para a entidade, a proximidade entre clubes de tiro e instituições de ensino pode “afetar a segurança e aprendizagem” das crianças.
“Estudos mostram que a presença de armas de fogo em uma cena aumenta significativamente a probabilidade de violência e efetuação de disparos em ocorrências, seja por meio de brigas de trânsito, acidentes ou ainda, nestes casos, por tentativas de roubo aos clubes de tiro”, diz a entidade.
O autor do texto, deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO), afirmou que se a base governista conseguir retirar do texto essa questão das escolas, ou seja, preservar a distância de segurança prevista no decreto, será uma "quebra completa do acordo".
"O local seguro, adequado e fiscalizado para se praticar o esporte do tiro esportivo é o clube. Não é em casa, na rua, na fazenda. É o local seguro e preparado pra isso. Não tem nenhum evento que tenha acontecido em escola que tenha a ver com clube de tiro. Não tem nenhum critério técnico que justifique tal medida de restrição. A responsabilidade constitucional de definir zoneamento urbano é do município e não federal", argumentou o deputado, que é um dos representantes da chamada bancada da bala.
O decreto do presidente Lula determinava também que os clubes de tiro já existentes deveriam se adequar às regras de distância em até 18 meses — ou seja, até janeiro de 2025. A proposta discutida no Senado propõe anular essa medida, que também acabaria com o mesmo prazo para que clubes de tiro regularizassem condições de uso e armazenamento das armas.
Flexibilização para armas
O projeto autoriza que colecionadores, habilitados pelo Exército, reúnam armas iguais às utilizadas pelas Forças Armadas. Também permite a coleção de armamento atualmente proibido. São eles:
automático, de qualquer calibre
ou longo semiautomático, de calibre de uso restrito, cujo primeiro lote de fabricação tenha menos de 70 anos
Comprovações para atiradores
A proposta acaba com um regramento que prevê comprovações de treinos e participação em competições para que uma pessoa conquiste o registro como atirador.
O trecho, que será derrubado, estabelecia que, em cada um dos três níveis de registro, o atirador precisaria comprovar anualmente os critérios para cada um dos calibres registrados — a chamada habitualidade. O texto também anula uma regra que, para subir de nível, o atirador precisaria permanecer ao menos 12 meses em uma mesma classificação.
Apesar das mudanças, a proposta mantém os limites de armas e munições para cada nível de atirador:
Nível 1:
Até 4 armas de fogo de uso permitido
Até 4 mil cartuchos, por ano
Até 8 mil cartuchos .22 LR ou SHORT para cada arma, por ano
Nível 2:
Até 8 armas de fogo de uso permitido
Até 10 mil cartuchos, por ano
Até 18 mil cartuchos .22 LR ou SHORT para cada arma, por ano
Nível 3:
Até 16 armas de fogo, sendo quatro de uso restrito
Até 20 mil cartuchos, por ano
Até 31 mil cartuchos .22 LR ou SHORT para cada arma, por ano
Para o Instituto Igarapé, os trechos que podem ser derrubados pela proposta ajudam a “diferenciar atiradores amadores e profissionais, permitindo que somente atiradores mais experientes tenham acesso a armas e munições mais potentes”. “Essa medida possibilita que os CACs possam ter armas que atendam às características e necessidades de cada categoria, viabilizando um maior controle sobre os armamentos e munições”, afirma a entidade.
Armas de pressão
O projeto acaba com qualquer tipo de restrição e controle, por parte do Exército e da Polícia Federal, sobre armas de pressão. O texto de Lula previa restringir o acesso a armas de pressão com calibre superior a seis milímetros (6mm). Com a derrubada do trecho, deixam de existir regras para esse tipo de armamento.
Para o relator do texto no Senado, a restrição não "possui finalidade lógica". "Não há que se falar em uso permitido ou restrito, quando não há vedação legal sobre o objeto. Isso fere o princípio da legalidade", argumentou.
Trocas de armas
A proposta permite aos CACs trocar armas com outros CACs, derrubando a proibição à transferência de acervos estabelecida pelo texto de Lula.
Além disso, também autoriza que armamentos registrados para uma finalidade sejam utilizados em outra — exemplo: uma arma de fogo cadastrada como de coleção poderá ser usada em tiro esportivo.
Poder do Exército
A proposta devolve ao Exército a competência para atestar e validar uma arma como histórica ou de coleção. O decreto de Lula dava esse poder ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) — o que, para entidades, poderia levar a um “maior controle sobre a prática do colecionamento”.
Também passará a ser permitido que armas de coleção sejam utilizadas para disparos, além de eventos específicos e testes. A proposta também concentra poder no Exército ao devolver às Forças Armadas a competência para regulamentar o processo de qualificação de pessoas jurídicas como colecionadoras de armas.
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