O ministro Alexandre de Moraes e o advogado-geral da União, Jorge Messias. - Foto: Reprodução O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, indicou ao ministro Alexandre de Moraes que o órgão estuda pedir à Justiça a suspensão das atividades da rede social X (antigo Twitter), ou até mesmo a dissolução da empresa no Brasil, caso se comprove que ela prejudicou investigações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Tal possibilidade foi comunicada num pedido sigiloso que Messias fez a Moraes, nesta terça (23), para que ele compartilhe com a AGU provas coletadas na investigação aberta há duas semanas contra o dono do X, Elon Musk, por suposta obstrução de Justiça. A petição, de 10 páginas, foi obtida com exclusividade pela Gazeta do Povo.
Em outra petição, o advogado-geral da União apresentou a Moraes uma notícia de fato, que é um pedido de abertura de nova investigação, para apurar o suposto vazamento de informações sigilosas dos inquéritos conduzidos pelo ministro, que teriam sido divulgadas no “Twitter Files”, reportagens publicadas no X e na Gazeta do Povo que mostram como executivos da empresa eram pressionados a censurar perfis na plataforma.
Messias diz que, além da responsabilização criminal de envolvidos no vazamento (executivos, principalmente), a própria empresa que representa a rede X no Brasil pode ser punida com base na Lei Anticorrupção (12.846/2013), que responsabiliza companhias que praticam atos contra a administração pública. Na visão da AGU, a X Brasil Internet Ltda., sediada em São Paulo, poderia ser enquadrada no ato lesivo de “dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação”.
Caso o órgão considere que a empresa cometeu essa conduta ilícita, ela ficaria sujeita, no âmbito administrativo – ou seja, na própria AGU – a uma multa de 20% de seu faturamento. Mas Messias comunicou a Moraes que ainda seria possível ao órgão pedir à Justiça punições mais graves.
Ele reproduziu manifestação de um departamento interno da AGU – a Procuradoria-Geral da União (PGU) – segundo o qual a “responsabilização judicial prevista pela Lei nº 12.846/2013, de titularidade da União e do Ministério Público, impõe, para além de multa, consequências extremamente graves, como a suspensão ou interdição parcial de suas atividades e até mesmo dissolução compulsória da pessoa jurídica (art. 19).”
Segundo a Lei Anticorrupção, a dissolução compulsória – em que a Justiça determina a extinção da empresa no país – ocorre quando fica comprovado que ela foi “utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos” ou tenha sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.
A manifestação da PGU/AGU diz que assim como os executivos podem ser responsabilizados pelo crime de embaraço a investigação de infração penal que envolva organização criminosa (com pena de 3 a 8 anos de prisão), a pessoa jurídica também pode sofrer punições.
“O quadro fático apresentado supostamente sugere uma intervenção ou embaraço na atividade de investigação exercida em vários procedimentos, alguns inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal, o que atrairia, em tese, a incidência do art. 5º, V, da Lei nº 12.846/2013”, diz a manifestação.
Dentro da AGU, Messias abriu uma apuração interna sobre o suposto vazamento, denominada Procedimento Prévio de Colheita de Provas, que visa colher elementos para, eventualmente, aplicar punições à empresa X Brasil Ltda. – daí o pedido a Moraes para obter provas no STF.
No início deste mês, quando Musk passou a denunciar, no X, ordens de censura de Moraes que considera ilegais, o bilionário chegou a afirmar a possibilidade de a plataforma deixar de operar no Brasil, com o fechamento de seu escritório, ante a pressão judicial por bloqueios de perfis.
“Este juiz [Moraes] aplicou multas pesadas, ameaçou prender nossos funcionários e cortou o acesso ao X no Brasil”, postou o empresário. “Como resultado, provavelmente perderemos todas as receitas no Brasil e teremos que fechar nosso escritório lá. Mas os princípios são mais importantes do que o lucro”, acrescentou depois.
Musk também anunciou que iria reativar perfis suspensos na plataforma, o que implicaria em descumprimento de decisão judicial. Entre usuários da rede, surgiu o temor de uma suspensão da rede social por Moraes, mas o ministro acabou abrindo uma nova investigação contra o empresário, pelo suposto crime de obstrução de Justiça, o mesmo citado por Messias.
Ao pedir o compartilhamento de provas, o advogado-geral da União afirmou que teriam sido divulgadas “uma enorme quantidade de informações contidas em decisões judiciais, às quais fora atribuído segredo de justiça, comprometendo investigações em curso tanto na Suprema Corte como no Tribunal Superior Eleitoral a respeito de condutas antidemocráticas ocorridas no Brasil e que culminaram nos atos de vandalismo de 08 de janeiro de 2023”.
“É possível inferir que os fatos ora narrados têm o condão de ofender a esfera jurídica da União, considerando que, além de violarem dever de sigilo sobre documentos que tinham sob custódia, causam indesejada interferência e prejudicam o regular andamento de processos judiciais em trâmite perante órgãos superiores do Poder Judiciário”, escreveu em seguida.
A divulgação de informações sigilosas do STF e do TSE, acrescentou, poderia favorecer a empresa X Brasil. “Caso venha a ser comprovada que a divulgação dessas informações sigilosas e sua utilização são de responsabilidade da empresa X (antigo Twitter) e de seus dirigentes ou funcionários, com a finalidade de influenciar decisões de autoridades brasileiras, isso poderia ser interpretado como uma tentativa de impactar indevidamente processos judiciais ou administrativos em favor da empresa”, diz o pedido enviado a Moraes.
Ele citou a própria decisão do ministro de abrir a investigação contra Musk, que parte da ideia de que o empresário teria permitido uma “dolosa instrumentalização criminosa” da rede social para favorecer a disseminação de “notícias fraudulentas” contra as instituições, por parte das chamadas “milícias digitais”, nome que o ministro dá a um grupo de políticos, comentaristas e influenciadores digitais que, segundo ele, promovem “ataques” ao STF e ao TSE.
No final, Messias pediu a Moraes para manter o pedido sob sigilo. “Seja conferido sigilo à presente petição, na forma do artigo 189, incisos I e III, do CPC, considerando a natureza do pleito ora apresentado e o teor dos documentos anexados. Por fim, a requerente compromete-se a manter o sigilo das informações pleiteadas, sendo que promoverá a juntada aos autos de destino valendo-se dos meios e instrumentos necessários a impedir o acesso dos dados por terceiros”, escreveu na petição Jorge Messias.
Desde que Musk iniciou, no início do mês, as críticas a Moraes pela censura de usuários brasileiros na rede X, Jorge Messias passou a criticar o empresário, inclusive na plataforma, e defender uma regulamentação mais rígida das redes sociais, pauta de interesse do governo e dos ministros do STF.
“É urgente regulamentar as redes sociais. Não podemos conviver em uma sociedade em que bilionários com domicílio no exterior tenham controle de redes sociais e se coloquem em condições de violar o Estado de Direito, descumprindo ordens judiciais e ameaçando nossas autoridades. A Paz Social é inegociável”, postou o advogado-geral da União na plataforma no dia 7 de abril.
No último dia 19, Messias expressou “incondicional apoio ao Supremo e a todos os seus integrantes” durante evento do G20 no Rio de Janeiro. “No Brasil, temos bons exemplos de plataformas que estão, neste momento, engajadas com autoridades brasileiras, construindo um modelo, um protocolo de tratamento de dados seguro, em que a sociedade brasileira não fique à mercê da chamada pirataria digital”, afirmou em discurso.
“Infelizmente, temos outras tantas que preferem ignorar a legislação brasileira e atentar, muitas vezes, contra a nossa democracia. Para essas plataformas, nós também temos um recado: a lei será aplicada com rigor”, afirmou, numa indireta a Musk.
Jorge Messias é um dos principais interlocutores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e costuma participar dos encontros do petista com os ministros da Corte.
Antes de ser escolhido por Lula para defender o governo no Judiciário, ficou conhecido como “Bessias”, no grampo da Lava Jato em que a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, disse a Lula que ele, então assessor da Presidência, poderia levar ao petista um termo de posse na Casa Civil – a nomeação foi suspensa pelo STF por desvio de finalidade, pois na época o ministro Gilmar Mendes entendeu que o objetivo era dar foro privilegiado a Lula para que ele não fosse investigado na primeira instância da Justiça na Lava Jato.
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