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16/11/2023 às 09h48min - Atualizada em 16/11/2023 às 09h48min

Visita de ‘dama do tráfico’ expõe ministério a constrangimento

Pasta da Justiça mudou protocolos de acesso depois que mulher de chefe de facção esteve com dois secretários

Editorial
O GLOBO
Luciane Barbosa Farias (a quarta da esquerda para a direita) em visita ao Ministério da Justiça. - Foto: Reprodução / Instagram
São constrangedoras as falhas nos protocolos de segurança que permitiram à advogada Luciane Barbosa Farias, conhecida como “dama do tráfico amazonense”, participar de audiências com Elias Vaz, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, e com Rafael Velasco, secretário de Políticas Penais, dentro das dependências da pasta. Mulher do chefe de uma facção criminosa que cumpre pena de 31 anos por tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, Luciane foi condenada a dez anos por tráfico, mas responde ao processo em liberdade. O ministério alega que não sabia da atividade criminosa do casal.

O jornal O Estado de S. Paulo mostrou que Luciane esteve no ministério pelo menos em duas ocasiões. Numa delas, participou de uma delegação de mulheres levadas por Janira Rocha, ex-deputada estadual (PSOL-RJ) e vice-presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim-RJ). De acordo com o ministério, a comitiva pediu melhorias nas condições dos presos. Em seu périplo por instâncias do poder em Brasília, Luciane esteve também com deputados governistas, como André Janones (Avante-MG) e Guilherme Boulos (PSOL-SP).

Depois da gritaria da oposição e da repercussão negativa do episódio, o Ministério da Justiça anunciou mudanças nos protocolos para visitas a integrantes da pasta. A partir de agora, a lista dos participantes de reuniões no ministério deve ser enviada por e-mail com antecedência mínima de 48 horas, com nomes e CPFs, para que todos os participantes possam ser identificados. Quem tiver compromisso público na pasta será atendido na recepção ou em seus anexos para ser identificado. É duvidoso o efeito dessas mudanças de ordem meramente burocrática.

A visita ao Ministério da Justiça expôs fatos graves a apurar. Reportagem do Estado de S. Paulo revelou que a Polícia Civil do Amazonas apreendeu no celular de uma integrante da facção criminosa recibos de transferências à ex-deputada Janira. Os valores somavam R$ 23.654 num único dia. Tais indícios não provam nada, mas precisam ser investigados. É fundamental esclarecer os interesses em jogo na visita da delegação ao ministério.

Embora a oposição tenha aproveitado o episódio para centrar fogo no ministro da Justiça, Flávio Dino, ele não pode ser considerado responsável por falhas de seus secretários. Numa rede social, Dino afirmou que nunca recebeu em audiência no ministério “líder de facção criminosa, ou esposa, ou parente, ou vizinho”.

O Brasil vive uma grave crise de segurança, em que as facções criminosas desempenham papel central. Mesmo presos, chefões controlam a venda de drogas, mandam executar rivais e comandam ataques a prédios públicos e incêndios em ônibus. São conhecidas as condições precárias dos presídios brasileiros, quase todos abarrotados. Reivindicar melhor tratamento para presos é legítimo. O fundamental é saber quem reivindica e por quê. O Ministério da Justiça, mais que qualquer outro, deveria saber disso.

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