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20/09/2023 às 00h01min - Atualizada em 20/09/2023 às 00h01min

Lula ataca direita na ONU e fala em nacionalismo “primitivo, conservador e autoritário”

O presidente foi o primeiro a discursar na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas na manhã desta terça-feira (19), em Nova York

Carinne Souza
GAZETA DO POVO
Luiz Inácio Lula da Silva é o primeiro presidente a discursar na Assembleia Geral da ONU. - Foto: Nações Unidas / Reprodução
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o primeiro presidente a discursar na 78ª Assembleia Geral das Nações Unidas na manhã desta terça-feira (19), em Nova York. Em um discurso carregado de ideologia esquerdista, ele disse que o neoliberalismo faliu e foi substituído por um "nacionalismo primitivo, conservador e autoritário". 

Também defendeu Cuba e a Palestina e disse que a "extrema direita" está criando aventureiros que negam a política. Ao se referir à direita e ao neoliberalismo, Lula falava sobre o atual contexto global de transição de uma economia neoliberal para um cenário em que grandes potências econômicas, como Estados Unidos e China, estão adotando práticas de protecionismo de mercado e usando a economia para atingir interesses geopolíticos.

Sem se referir ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que adotou práticas econômicas liberais em seu mandato, Lula disse que os governos precisam "romper com a dissonância cada vez maior entre a voz dos mercados e a voz das ruas".

"O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. O seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros, surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir o neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário", disse. O presidente brasileiro também defendeu a ditadura comunista de Cuba, que é alvo de um embargo econômico dos Estados Unidos, sem aval da ONU, desde a década de 1960.

"O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como estado patrocinador do terrorismo", disse Lula. Mas ele não mencionou o governo autoritário, os crimes contra os direitos humanos e os presos políticos da ilha. Também não lembrou que Havana mandou guerrilheiros para participar de golpes de Estado em países da África e da América Latina e que atualmente cogita enviar voluntários para apoiar a Rússia na invasão da Ucrânia.

Além de criticar veladamente os EUA em relação ao embargo, Lula defendeu a criação de um Estado Palestino, mas sem fazer referência, por exemplo, ao movimento extremista Hamas, que atualmente controla o governo na Faixa de Gaza e tenta impor o Estado da Palestina por meio da violência.

Lula usou um bordão de campanha dizendo: "a esperança mais uma vez venceu o medo" e alegou ter resgatado a "universalidade" da política externa brasileira. A fala foi uma referência a Bolsonaro, que deu menos ênfase à política externa em comparação ao atual mandato de Lula.

Sobre o combate às mudanças climáticas, Lula cobrou a promessa das potências mundiais na conferências mundial do clima de Paris, em 2015, de darem recursos aos países em desenvolvimento para a realização de ações ambientais. "A promessa de dar US$ 100 bilhões por ano permanece apenas isso, uma longa promessa", disse.

Ele também fez propaganda de seu esforço diplomático para fortalecer a integração dos países que compõe a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, que engloba os países que abrigam partes da floresta amazônica.
Ocidente usa cúpula para se aproximar de países em desenvolvimentoLula discursou diante de representantes dos outros 193 países-membros da ONU. A Assembleia Geral acontece anualmente e tem o objetivo de discutir assuntos de relevância para a humanidade.

A cúpula deste ano ocorre em um cenário singular, no qual os Estados Unidos e seus aliados do Ocidente competem com a China e com a Rússia pelo apoio do chamado Sul Global, formado por países em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina. Isso ocorre devido à polarização mundial intensificada pela invasão russa na Ucrânia. As potências do Ocidente deverão usar a Assembleia da ONU, que ocorre entre terça-feira (19) e quarta-feira (20) para ouvir as demandas dos países em desenvolvimento e possivelmente tomar ações para conter o aumento da influência chinesa e russa nos países do Sul Global.

Além do brasileiro, outros 15 chefes de estado também discursaram no evento durante a manhã desta terça, entre eles o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, abriu o evento e fez uma defesa da Ucrânia, deixando claro que esse será um dos principais temas da cúpula. Ele era assistido pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, está presente na cúpula. Sem citar a Rússia, Lula disse que a guerra na Ucrânia "escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU". O petista também disse que não se deve subestimar as dificuldades para alcançar a paz e defendeu que "nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo".

"Não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz. Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana. Conhecemos os horrores e os sofrimentos produzidos por todas as guerras. A promoção de uma cultura de paz é um dever de todos nós", disse. Ele não mencionou que foi a Rússia quem invadiu um vizinho pacífico com o objetivo de anexar territórios.

O petista também voltou a relativizar o conflito com um crítica velada a países que estão fornecendo armamento à Ucrânia para se defender dos ataques russos. "Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações. Investe-se muito em armamentos e pouco em desenvolvimento", disse.

Após um aceno do secretário-geral da ONU, António Guterres, sobre a necessidade por reformas nos organismos mundiais, o discurso de Lula criticou o Conselho de Segurança da ONU e seus membros permanentes. "O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime", disse sem citar a Rússia.

O petista já repetiu esse discurso em outras ocasiões e enfatizou a necessidade de incluir novos países à lista de membros permanentes do Conselho. Atualmente apenas Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China têm poder de veto na organização.

Lula tem defendido a inclusão do Brasil, da Índia e da África do Sul ao seleto grupo. "Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia", disse em seu discurso.

O tema da reforma do Conselho de Segurança da ONU também foi abordado por Guterres que defendeu necessidade de reformas em instituições globais. Ele afirmou com muita ênfase que a governança global ficou parada no tempo. "O mundo mudou e nossas instituições não mudaram", afirmou. Segundo ele, órgãos como a ONU correm o risco de em vez de resolver problemas se tornem a fonte dos problemas.

O presidente americano, Joe Biden, disse em seu discurso após a fala de Lula que o Conselho de Segurança da ONU "precisa de mais vozes". Ele afirmou querer fazer progressos na discussão de uma reforma no próximo ano.
Guterres, também abordou o problema da dívida externa de países em desenvolvimento. Afirmou que países da África gastam mais com o pagamento de dívidas do que com investimento em saúde pública.

Biden, por sua vez, defendeu que essas desigualdades devem ser combatidas por meio do fortalecimento de bancos internacionais de desenvolvimento, como o Banco Mundial. Ele também disse que é preciso fazer reformas no Fundo Monetário Internacional (FMI) e na Organização Mundial do Comércio.

Lula havia criticado o FMI minutos antes, afirmando que o fundo distribui mais recursos para países europeus do que para países africanos. Mas não deixou claro se em sua conta estão os recursos que foram enviados à Ucrânia para manter o país em funcionamento em meio à invasão russa.

O presidente americano também celebrou a inclusão da União Africana no G20, o bloco de países que reúne potências industriais e países em desenvolvimento em um único fórum de discussão.

O pontos abordados pelo secretário-geral da ONU e pelo presidente americano fazem parte do esforço do Ocidente para se aproximar dos países em desenvolvimento, que estão sendo assediados pela China e pela Rússia.
Os temas também convergem com parte da agenda de Lula, que abordou em seu discurso a necessidade de se combater a mudança climática, a fome e a desigualdade no planeta. O presidente brasileiro vem usando essa agenda para tentar se vender internacionalmente como um porta-voz dos países em desenvolvimento. Ele foi aplaudido cinco vezes durante o discurso.

Porém, declarações polêmicas de Lula neste ano de apoio à Rússia contra a Ucrânia e de caráter antiamericano têm colocado o brasileiro em uma posição de coadjuvante para assumir tal papel. O papel de líder do Sul Global vem sendo disputado internacionalmente pelo líder chinês Xi Jinping e pelo presidente indiano, Narendra Modi, que não estão presentes no evento.

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