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Condenação de Léo Lins reacende debate sobre limites do humor e da liberdade de expressão; veja o que dizem juristas

Justiça condenou humorista a 8 anos e 3 meses de prisão, além do pagamento de multa e indenização por danos morais. Defesa alega que não houve intenção de ofender ninguém

Letícia Dauer / Norma Odara / Don Carlos Leal
05/06/2025 12h27 - Atualizado há 2 dias
Condenação de Léo Lins reacende debate sobre limites do humor e da liberdade de expressão; veja o que dizem
Leo Lins fez comentário em apresentação sobre criança com hidrocefalia no Ceará, gerando críticas nas redes sociais. - Foto: Reprodução

Parte do público viu a decisão judicial como uma forma de censura ou repressão ao pensamento, alegando que o humor deveria ser um espaço livre. Contudo, outros argumentam que o humor não pode ser usado como ferramenta para legitimar discurs*s rac1stas e discriminatóri*s.

No show, o humorista fez declarações ofensivas c*ntra negr*s, idos*s, *bes*s, pessoas com H1V, h*m*ssexuais, 1ndígenas, n*rdestin*s, evangélic*s, jud3us e pessoas com def1ciênc1a. O stand-up foi gravado em 2022 e publicado no perfil do Youtube dele, somando mais de 3 milhões de visualizações.

Na terça (3), a Justiça Federal condenou Léo Lins a oito anos e três meses de prisão, além do pagamento de multa equivalente a 1.170 salários-mínimos (em valores da época da gravação) e de indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos. Ainda cabe recurso. A defesa dele sustenta que não houve intenção de ofender ninguém.

Segundo especialistas em Direito, a liberdade de expressão é um dos pilares da democracia, mas não é um direito absoluto. Há limites que devem ser respeitados, inclusive no meio artístico.

O que diz a sentença?
Na sentença, a juíza Barbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, afirma que Léo Lins tem "a prática de discursos discriminatóri*s como meio de vida, inclusive que consistem em fonte de renda".

Durante o interrogatório, o humorista confirmou que a internet proporciona remuneração por meio da publicação dos seus shows.

Para a magistrada, as ofensas contra diversas minorias, camufladas nas piadas, fomentam a prática dos chamados “discursos de ódi*”. O humor também não pode ser usado como um "passe-livre" para o cometimento de crimes, afirma Iseppi.

"A ocorrência de atos como os ora julgados certamente estimulam a propagação de vi*lência verbal na sociedade, fomentando a não-aceitação das diferenças e a int*lerância, prática nociva e que deve ser desencorajada. Assim, tal efeito extrapola as consequências normais do tipo penal, devendo ser valorada em desfavor do réu", explica a juíza.

Segundo a magistrada, durante o stand-up, o próprio humorista admitiu que sua fala é preconceituosa e faz piada do fato, por isso o dolo (a intenção de cometer o crime) está comprovado.

Sou g*rd*, adoro comer e não gosto de fazer exercício. Como vou emagrecer? Pegando A1DS! Cê não adora comer de tudo? Sai c*mend* g4y sem cam1s1nha, uma hora dá certo! Essa piada pode parecer um pouco preconceituosa. Porque é. — Léo Lins, num trecho do seu show.

Para o advogado criminalista Welington Arruda, mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), a sentença estabelece um marco importante: "a liberdade de criação artística não legitima a instrumentalização do palco como meio de ataque aos direitos fundamentais de coletividades".

Segundo Arruda, a responsabilização penal não decorreu da piada, mas da estrutura e finalidade com que ela foi concebida e difundida.

Já para o advogado e professor de direito constitucional André Marsiglia, a decisão parte de uma premissa equivocada e impõe uma pena desproporcional ao artista.

"A sentença parte de uma premissa de que se pune o conteúdo potencialmente ofensivo, mas não. Nossa legislação pune a intenção de ofender. É o que chamamos no direito de dolo. Mesmo que alguém se ofenda, ou se sinta ofendido, sem a intenção de ofender, não há crime", apontou.

Segundo ele, Léo Lins não ultrapassou os limites da liberdade de expressão. “O limite é a intenção ofensiva, e a piada tem intenção artística, mesmo quando de mau gosto. Ninguém sobe a um palco com a intenção de ofender, mas de se expressar.”

Para o advogado, punir um comediante pelo que é dito em um espetáculo de humor é confundir ficção com realidade. Marsiglia classificou ainda a pena imposta como “totalmente desproporcional”. “Estão punindo uma fala com pena mais dura do que estão punindo uma ação criminosa”, afirmou.

O que é liberdade de expressão?
A Constituição Federal brasileira define a liberdade de expressão como "a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura".

Thiago Bottino, doutor em Direito Constitucional pela PUC-Rio e professor de Direito Penal pela FGV, explica que a liberdade de expressão é um direito fundamental e necessário em qualquer democracia.

Todas as democracias protegem a liberdade de expressão porque é isso que permite que pessoas diferentes possam conviver e não sejam perseguidas por pensar diferente e por manifestarem essa opinião diferente. — Thiago Bottino, advogado.

Ao mesmo tempo, as democracias estabelecem limites à liberdade de expressão, impedindo a incitação ao ódio e à violência, a apologia ao crime, a manifestações racistas, discriminatórias ou que atentem contra a dignidade de minorias e grupos vulneráveis.

Os limites protegem o bom funcionamento da democracia para garantir que todas as pessoas possam participar livremente em igualdade de condições sem serem diminuídas ou silenciadas, defende Bottino.

Qual é o limite do humor?
O humor trabalha com as categorias de c*nstrangiment*, da verg*nha, humilhaçã* e também pode ser usado para fazer críticas sociais e políticas. No entanto, existem limites. Ele não pode ser usado para legitimar discursos "proibidos" e preconceituosos, ressalta Bottino.

O advogado criminalista Welington Arruda, mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), também explica que a Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o discurs* de ódi* disfarçado de piada.

"Quando a fala pública se transforma em instrumento de exclusã*, humilhaçã* e reforço de preconceitos, ela ultrapassa os limites da proteção constitucional e se converte em ofensa penalizável, como reconhecido na sentença", diz Arruda.

Segundo o advogado criminalista, no caso de Léo Lins, a sentença deixou claro que ele utilizou o humor como uma forma de encobrir a propagação de estereótipos depreciativos, desumanizadores e sistemáticos contra grup*s s*ciais minoritári*s.

Para ele, não se tratou de um caso isolado ou de uma manifestação espontânea em espaço restrito, mas sim de uma ação estruturada, com roteiro, gravação, edição e ampla divulgação nas redes sociais — o que evidenciaria a intencionalidade das *fensas e a multiplicação deliberada do conteúdo discriminatóri*.

Já o advogado criminalista Rafael Paiva, professor de Direito Penal e Processo Penal, afirma que as falas de Léo Lins não podem ser consideradas um discurs* de ódi*, apesar de serem "piadas de mau gosto".

A gente pode pegar como discurs* de ódi*, por exemplo, o que H1tler fazia [...] Isso é um discurs* de ódi*, jogar todas as responsabilidades, todo o ódi* em cima de um grupo de pessoas. Isso é um discurs* de ódi*. Agora, eu ter uma opinião e fazer uma piada, não é discurs* de ódi*, em que pese e poder ser criminoso também. — Rafael Paiva, professor de direito

Por que a dosimetria da pena foi alta?
Além do debate sobre a liberdade de expressão, o caso do Léo Lins também levantou debate sobre a dosimetria (definição) da pena.

Segundo a sentença, a condenação foi fundamentada pelas seguintes leis:
N° 7.716/1989: trata dos cr!mes resultantes de discriminação ou prec*nceit* de r4ç4, c*r, etn1a, religiã* ou procedência nacional;
N° 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Def1c1ênc1a): assegura proteção específica à dignidade das pessoas com def1c1ênc1a;
N° 14.532/2023: introduziu o conceito de “racism* recreativo”, qualificando como crime manifestações prec*nceitu*sas disfarçadas de piadas ou brincadeiras em atividades artísticas ou culturais abertas ao público.

As falas do humorista foram consideradas ainda mais graves por terem ocorrido num contexto artístico e terem sido compartilhadas nas redes sociais, ampliando a dosimetria da pena, de acordo com a sentença.

Para o criminalista Welington Arruda, a pena imposta está em conformidade com a legislação e guarda proporcionalidade com a gravidade das condutas praticadas.

"A sentença levou em consideração a pluralidade de vítimas, o caráter reiterado das *fensas e a ampla repercussão social do caso, sobretudo diante da divulgação do conteúdo por meio de plataformas digitais com alcance de milhões de pessoas", justificou. Por outro lado, o advogado Rafael Paiva considera a pena de 8 anos exagerada, especialmente em comparação com penas para cr1mes como tráfic* de dr*gas. Ele argumenta que a liberdade de expressão, embora não absoluta, tem maior flexibilidade em contextos como shows de comédia.

O que diz o humorista?
A defesa do humorista Léo Lins sustenta que, em nenhum momento, houve intenção de *fender, d1scr1m1nar ou diminuir qualquer grupo. Segundo o advogado Carlos Eduardo Régis Ramos, o processo trata da divulgação de um show de stand-up, com conteúdo ficcional e humorístico, e não de um discurs* de ódi*.

“O Léo não possui intenção de *fender ninguém. Isso ficou claro tanto no interrogatório quanto nas falas das testemunhas ouvidas, inclusive pessoas pertencentes a minorias, que relataram não se sentirem atacadas pelas piadas”, afirmou. Para ele, o humorista atua dentro de um contexto artístico e a responsabilização cr1minal por esse conteúdo seria indevida.

Ainda de acordo com Ramos, “uma piada tirada de contexto deixa de ser piada e vira *fensa”, e o que o comediante faz é produzir conteúdo de humor com o objetivo de provocar riso e oferecer conforto ao público. A defesa argumenta que, se alguém utiliza esse conteúdo para prejudicar terceiros, a responsabilidade deve recair sobre essa pessoa — e não sobre o artista.

A defesa informou que irá recorrer da decisão e espera que a Justiça Federal, em segunda instância, reveja a sentença.

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FONTE: G1
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