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08/08/2023 às 00h01min - Atualizada em 08/08/2023 às 00h01min

Por que a Suécia desistiu da educação 100% digital e gastará milhões de euros para voltar aos livros impressos?

Resultados em provas de leitura e conselhos de órgãos de saúde fizeram novo governo mudar a postura

Luiza Tenente
G1
Evidências científicas mostraram os benefícios do livro físico para o desenvolvimento cognitivo dos alunos. - Imagem: Reprodução
A Suécia, único país que, desde a década de 1990, buscou implementar a educação 100% digital nas escolas, voltou atrás e decidiu investir, ao longo de 2023, 45 milhões de euros (cerca de R$ 242 milhões) na distribuição de livros didáticos impressos. A decisão, anunciada em dezembro de 2022 pela ministra Lotta Edholm, caminha na contramão da conduta do governo de São Paulo. Na última semana, Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que, a partir do ano que vem, as escolas estaduais paulistas adotarão apenas obras digitais para alunos do ensino fundamental II e do ensino médio. Após repercussão negativa, ele disse que os colégios poderão imprimir o material, se os estudantes solicitarem.

Os principais motivos que levaram a nação europeia — uma das 20 mais ricas do mundo — a rever sua estratégia de digitalização integral: queda no desempenho das crianças em leitura; críticas de especialistas em saúde em relação ao aumento do uso de telas; dificuldade maior de os pais ajudarem os filhos nas tarefas; evidências científicas que mostram os benefícios do livro físico para o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

A ministra Edholm escreveu, em um artigo no jornal “Expressen”, que a educação 100% informatizada "foi uma grande experiência", mas que "houve uma postura acrítica [do governo anterior] de considerar a tecnologia necessariamente boa, independentemente do conteúdo”.

“Recursos didáticos digitais, se usados ​​corretamente, apresentam certas vantagens, como combinar imagem, texto e som. Mas o livro físico traz benefícios que nenhuma tela pode substituir", afirmou a ministra.
Ao g1, a pedagoga e autora sueca Inger Enkvist, que tem mais de 40 anos de experiência como professora no país europeu, explica que, inicialmente, houve o apoio de parte dos educadores à postura da digitalização massiva, especialmente nos anos 2000.

"Só que o vento agora sopra em uma direção oposta, porque pais, professores e empregadores têm a impressão de que os jovens passaram a saber menos", explica Inger Enkvist. "Os alunos têm atualmente menos capacidade de concentração. Dedicam menos esforço para escrever bem, porque programas de ortografia automática fazem a escrita parecer mais fácil do que é. O principal problema é que o computador também é uma distração", afirma Enkvist, que também é professora catedrática emérita na Universidade de Lund, na Suécia.

Olavo Nogueira Filho, diretor executivo da ONG Todos Pela Educação, reforça, a partir do exemplo europeu, que “países que têm condições de fazer uma digitalização completa não estão indo nessa direção”. “Não é só questão de ter acesso [a equipamentos ou à internet]: é de estratégia pedagógica, é de neurociência”, afirma.

Os resultados do Pirls 2021 (Progress in International Reading Literacy Study), exame internacional que mede habilidades de leitura de alunos do 4º ano do ensino fundamental (de 9 a 10 anos de idade), mostraram que o desempenho das crianças suecas, ainda que esteja acima da média europeia, piorou entre 2016 e 2022: caiu de 555 para 544 pontos. Para o governo, há uma ligação direta entre essa queda e o uso intensivo de telas nas salas de aula.

Lá, o uso do material digital vai além da adoção dos e-books: nos últimos 10 anos, os tablets substituíram os notebooks também para a execução de pesquisas escolares e a escrita de redações. Um questionário de dezembro de 2022, com 2 mil professores do país, mostrou que 1 em cada 5 docentes supunham que seus alunos nunca haviam redigido um texto manualmente.

O governo da Suécia admite que a “digitalização da sociedade é necessária”, mas reforça que, segundo órgãos de saúde, existe um custo cognitivo para quem passa muitas horas na frente da tela. No Brasil, há uma postura semelhante seguida pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que recomenda o seguinte limite diário de contato com celulares, tablets e computadores: dos 2 aos 5 anos: até 1 hora por dia; dos 6 aos 10 anos: entre 1 e 2 horas por dia; dos 11 aos 18 anos: entre 2 e 3 horas por dia.

A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, já mostrou que exagerar nas telas pode levar a: prejuízos na comunicação, problemas no sono e atrasos no desenvolvimento cognitivo.

O Ministério da Educação sueco constatou que os familiares dos alunos têm mais dificuldade de acompanhar o que está sendo ensinado ou de ajudar na lição de casa quando os materiais são 100% digitais. “O livro impresso é mais fácil de ser usado pelos pais ou por quem quer ter uma visão sobre o que está sendo feito na escola”, escreveu a ministra Edholm.

Em uma compilação de pesquisas sobre leitura, a Agência Nacional Sueca para a Educação (equivalente ao Inep, no Brasil) concluiu que não basta apenas imprimir as atividades em um papel A4: é preciso usar o livro físico, para que os estudantes aprendam, por exemplo, a localizar uma informação enquanto folheiam as páginas.

A ministra cita ainda outro estudo, apresentado por essa mesma agência, o qual aponta que, com a leitura digital, os alunos tendem a “passar os olhos” pelos textos mais rapidamente. Já quando usam materiais físicos, os estudantes são mais capazes de compreender o conteúdo e de memorizá-lo, diz o órgão. Katia Smole, diretora do Instituto Reúna, afirma que há ainda outras pesquisas internacionais que mostram possíveis prejuízos na capacidade de leitura de quem usa apenas telas (em vez de um esquema misto).

Em uma delas, da Universidade de Stavanger, na Noruega, em 2012, cientistas compararam estudantes que leram textos apenas no formato digital com outros que leram os mesmos conteúdos, só que em papéis impressos. A conclusão foi semelhante à mencionada pela Suécia: o primeiro grupo teve um desempenho inferior ao segundo.

"Nunca houve qualquer tipo de evidência científica de que os alunos aprenderiam melhor só com computadores. A maioria dos professores e dos pais apoiam a mudança atual [na Suécia]", afirma a pedagoga Inger Enkvist. Nos anos 1980, a Suécia começou a introduzir computadores nas salas de aula, para ensinar os alunos a usarem as máquinas.

Na década seguinte, foi feita uma campanha massiva pela aplicação da tecnologia nas salas de aula — em 1994, após uma reforma curricular, virou até uma disciplina específica. Por volta dos anos 2000, com um novo currículo obrigatório, todos os níveis de ensino passaram a ser “digitalizados”, com a meta de oferecerem um notebook para cada estudante.

O sistema de educação sueco é altamente descentralizado. O governo define o currículo nacional, mas são os municípios que vão executar as atividades de acordo com seus posicionamentos pedagógicos. Por isso, a forma como uma escola usa a tecnologia pode ser bem diferente da outra.

Segundo dados da Universidade de Lieja, na Bélgica, a Suécia está à frente da média da União Europeia em número de computadores nas escolas e em velocidade de internet disponível nas salas de aula.
Em um relatório de 2022 que avaliou a estratégia nacional de digitalização da Suécia, foi constatado que a disponibilização de ferramentas digitais precisava ser melhorada, já que 20% dos docentes disseram que tinham um “acesso limitado” a elas.

O mesmo documento reforça que os alunos precisariam de “melhores condições para desenvolver competências digitais em áreas específicas, tais como: como pesquisar os dados relevantes, analisar, interpretar e avaliar criticamente a informação e os conteúdos digitais”. Com a mudança do governo (as eleições gerais foram em 2022) e a decisão de retroceder no ensino digital, o objetivo é que cada aluno tenha pelo menos um livro impresso de cada disciplina.

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