13/07/2022 às 11h18min - Atualizada em 13/07/2022 às 11h18min
Sem a filmagem das enfermeiras, anestesista não teria sido preso por estupro
Foram elas que notaram o comportamento estranho de Giovanni Quintella Bezerra
Tatiana Vasconcellos
UOL
O médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra foi preso e autuado em flagrante, na madrugada de segunda-feira (11) Imagem: Divulgação/Polícia Civil As enfermeiras se articularam para posicionar o telefone num local estratégico e organizar a sala de cirurgia de modo a conseguirem filmar um médico anestesista colocando o pênis na boca de uma mulher, mais sedada do que deveria —por ele—, que dava à luz um bebê (estou há horas buscando palavras para me exprimir sobre isso e não encontro). Foram as enfermeiras que notaram que algo estava estranho no comportamento do anestesista Giovanni Quintella Bezerra, no Hospital da Mulher, em São João do Meriti (RJ). As enfermeiras denunciaram o criminoso. E ele só foi detido e responderá por crime de estupro de vulnerável porque foi filmado. Como quase sempre acontece, ninguém acreditaria na palavra delas se não houvesse imagens. (No caso Mari Ferrer, nem com imagens.) Não me surpreenderia se elas já tivessem avisado os superiores que algo ia mal no comportamento do médico Giovanni Quintella Bezerra e ninguém tivesse se importado, como sempre acontece numa sociedade omissa.
Com quem podemos contar senão com outras mulheres? Por que nos querem rivais e a gente aceita esse papel? Por que nos ensinam a competir e não a colaborar umas com as outras? Se não fazemos isso por nós, já deu pra entender que é a esse ponto que chegamos: médicos estupram mulheres até sedadas na mesa de parto sem serem incomodados. É violento. É insuportavelmente violento. Se isso acontece em uma sala de cirurgia cheia de gente, enquanto está em curso uma CESÁREA para tirar um bebê da barriga da vítima, em que lugar estamos seguras? Isso não te estarrece? Consegue dimensionar a perversão e o grau de alerta que deve sempre estar ligado quando somos mulheres?
Será possível que mulheres não têm paz com homens por perto nem na hora de parir? "Aim, não generalize, nem todo homem é estuprador". Nem todo homem, mas é sempre um homem. E, segundo os dados, muitos médicos. Um levantamento feito pelo portal The Intercept mostrou que foram registrados 1.734 casos de violência sexual em instituições de saúde entre 2014 e 2019, entre eles 16 estupros cometidos em UTIs. Violência sexual cometida contra pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva (continuo procurando palavras que deem conta da intensidade do que quero expressar, sem sucesso).
Isso que te estarrece (espero) é a realidade, não é "caso isolado". A "cultura do estupro" é real, não é teórica. É um nome para um conjunto de comportamentos e costumes que, juntos e ao longo do tempo, configuram um padrão cultural de uma sociedade. E o nosso padrão é fundado no mais profundo preconceito. Racismo, homofobia, misoginia.
A mulher não é vista como um ser igual. É o outro. E o outro que não é o homem numa sociedade machista é um ser inferior, menor, cujo corpo pode ser tocado, manipulado independentemente de seu consentimento (estupro). Mas quem se importa? Homens precisam começar a se incomodar e se implicar no combate à cultura do estupro, não basta declarar "eu não sou assim". Parabéns, quer um balão? Não cometer violência sexual é o mínimo que se espera de um ser. Não é difícil de entender: mulheres não estão seguras em nenhum lugar e a violência a que estão sujeitas é cometida por homens. O que você pretende fazer com isso, sendo um?.
Pense aí, reúna os parça, reconheçam-se como parte do problema. Divida melhor as tarefas em casa, vá se informar sobre violência obstétrica, consentimento, vá OUVIR MULHERES sobre machismo. Informe-se sobre direito à interrupção de gravidez, vá aprender com gente que trabalha com combate à violência sexual de crianças a importância da educação sexual.
O que nós podemos fazer sobre isso? Além de nos proteger umas às outras, todos podemos votar em mulheres para tentar aumentar a representação nos legislativos estaduais e federal. Mulheres que tenham como princípio trabalhar pela garantia de direitos. E que pensem e proponham políticas públicas que garantam liberdade, autonomia e segurança às mulheres. E isso passa essencialmente por combater preconceitos sociais, econômicos, de gênero, raça e orientação sexual. Sigamos cobrando homens eleitos que trabalhem pelos direitos e pela sobrevivência das mulheres. No mais, não nos exijam doçura nem moderação. Apenas parem de nos violentar.
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