22/10/2024 às 06h54min - Atualizada em 22/10/2024 às 06h54min
“Perdi duas vezes”, desabafa pai da bebê de 8 meses retirada do próprio velório em SC
Caso foi em Correia Pinto, na Serra de Santa Catarina, no sábado (19)
Ana Menezes / Joana Caldas / Don CarlosLeal
NSC TOTAL
Bebê que foi retirada do velório em SC não apresentou sinais vitais reais de acordo com perícia. Óbito da criança foi atestado duas vezes em menos de 24 horas. - Foto: Ilustrativa / Reprodução “Eu perdi duas vezes”. É o que diz Cristiano Santos, pai da bebê de oito meses que foi retirada do próprio velório em Correia Pinto, na Serra de Santa Catarina, no sábado (19). O homem desabafou sobre a morte da filha, que foi atestada morta pela segunda vez em menos de 24 horas. — Foi dada uma bordoada no meu sonho duas vezes — disse o pai.
Na madrugada de sábado (19), o hospital deu a declaração de óbito a bebê. Ela, no entanto, foi levada de volta à unidade após os familiares acreditarem que ela havia mexido a mão durante a cerimônia de despedida. No hospital, no entanto, foi atestada a morte pela segunda vez.
A perícia emergencial, feita a pedido do Ministério Público, indicou que a bebê não teria apresentado sinais vitais durante o velório. Os movimentos, chamados “espasmos cadavéricos”, podem acontecer por um curto período depois da morte, conforme explica o pediatra João Guilherme Bezerra.
Relato do pai
O pai da criança disse que pessoas que estavam em outro velório, que acontecia ao lado, começaram a dizer à família que o corpo da bebê estava quente.
— Começou o comentário no outro velório do lado que a menina estava quente. O pessoal do outro velório começou a vir ali, pegar na menina e saía com semblante diferente também — disse.
Foi próximo das 15h de sábado que a informação chegou para a família da bebê.
— Veio uma senhora de um outro velório e ela comentou “está todo mundo comentando que a sua menina está quente”. A gente encostava, a gente percebia que ela estava quente. Só que a gente, como pai, como mãe, o sistema nervoso já estava bastante abalado. A gente queria que ela acordasse, sabe? Dava a impressão que fosse do psicológico da gente — relembra o pai.
Ele diz não ter visto o movimento da mão, mas ouviu de muitas pessoas que estavam presentes no salão sobre a desconfiança da menina continuar viva. A esperança reacendeu quando ela foi retirada do velório e levada de volta ao hospital.
— Segundo o que passaram para a gente, não pode ser retirado um defunto de uma capela se não houver sinais [vitais]. Foi dado mais esperança para a gente, sabe? Mas chega lá e é decretado óbito de novo — lamenta.
Relembre o que aconteceu no velório e o que diz a perícia
Durante a cerimônia, familiares que acionaram o Corpo de Bombeiros relataram que a bebê estava com batimentos cardíacos e com temperatura corporal normal. Os socorristas, após examiná-la rapidamente, a levaram de volta ao hospital.
A perícia foi realizada em caráter de urgência, atendendo a um pedido do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). A conclusão, de acordo com o órgão, aponta diversas razões que explicam os batimentos e a temperatura corporal, mas é sigilosa por envolver menor de idade. O MPSC apura, ainda, se houve negligência no atendimento à criança.
Em nota, a Polícia Científica comunicou que o laudo ficou pronto no domingo (20) e que “conclui que as evidências de tempo de morte são compatíveis com a hora inicial determinada da morte, no dia 19/10/2024, às 03:17h, atestadas em ambiente hospitalar por profissional médico, descartando a hipótese de que a criança estivesse viva poucas horas antes do acionamento da perícia”.
Ao chegar à cerimônia, os bombeiros examinaram a bebê com um estetoscópio e atestaram que ela possuía batimentos fracos. Em seguida, realizaram um teste nas pernas da criança, que não apresentavam rigidez.
Mesmo com os sinais que podiam indicar que ela estaria viva, a bebê estava com as pupilas contraídas e não reagentes, ou seja, não respondendo à luz e sugerindo a morte da paciente. Ela também tinha edemas (inchaços) no pescoço e atrás das orelhas.
O laudo, divulgado nesta segunda-feira pelo MPSC, reforçou que ela não teria apresentado sinais vitais que indicassem que ela estaria sendo velada viva.
Com esse avanço, houve a ratificação de que ela teria morrido por volta das 3h de sábado. Isso é o que diz, também, o atestado de óbito emitido pelo hospital.
“O documento é sigiloso por se tratar de uma criança, mas o médico legista aponta diversas razões possíveis para a percepção de calor e leituras de pulso e saturação no oxímetro durante o velório”, disse o MP.
Agora, o MPSC está aguardando a conclusão de outro lado, que é o anatomopatológico. Ele deve responder a causa da morte e se houve negligência no primeiro atendimento médico. O documento será divulgado em 30 dias.
Bebê passou mal na quinta-feira
O pai disse às autoridades que a bebê passou mal na noite de quinta-feira (17) e foi levada ao hospital, de acordo com o MPSC. Na ocasião, o médico teria diagnosticado uma virose, aplicado soro, receitado medicamento e a liberado. No sábado, ela voltou a passar mal e foi levada ao hospital novamente, onde o mesmo médico teria atestado a morte.
O profissional informou à família que a causa da morte teria sido asfixia por vômito. Na declaração de óbito, no entanto, consta desidratação e infecção intestinal bacteriana.
“A paciente deu entrada no hospital por volta das 3 horas do dia 19 de outubro de 2024. O atendimento foi realizado pela equipe plantonista, que constatou o óbito da criança”, informou o hospital.
A bebê foi atendida na Fundação Hospitalar Faustino Riscarolli, sob responsabilidade da prefeitura.
Leia a nota da prefeitura na íntegra
“A Prefeitura de Correia Pinto, por meio da Fundação Hospitalar Faustino Riscarolli, se solidariza com a família de Kiara Cristayne de Moura dos Santos neste momento de dor e esclarece que a paciente deu entrada no hospital por volta das 3 horas do dia 19 de outubro de 2024. O atendimento foi realizado pela equipe plantonista, que constatou o óbito da criança.
Mais tarde no mesmo dia, por volta das 19 horas, a criança foi novamente trazida ao hospital pelo Corpo de Bombeiros Municipal, com relato de sinais de saturação. A equipe médica, mais uma vez atendeu a criança, e foi constatado o óbito.
Diante dessa situação, a Diretora Geral da Fundação Hospitalar Faustino Riscarolli prontamente acionou o Instituto Geral de Perícias (ICP), que realizará a análise e emitirá o laudo conclusivo no prazo de aproximadamente 30 dias.
A Prefeitura de Correia Pinto reitera o seu compromisso em proporcionar o melhor atendimento para todos os cidadãos, e reforça que, em nenhuma circunstância, qualquer profissional pode emitir atestados ou declarações sem a devida constatação das condições do paciente. Além disso, todos os profissionais de saúde são constantemente orientados e treinados, garantindo que a vida e o bem-estar das pessoas sejam sempre a prioridade”.
O que são espasmos cadavéricos
Para o pediatra João Guilherme Bezerra Alves, parece possível que um bebê, ou qualquer pessoa, tenha movimentos involuntários após a morte.
— Esses movimentos podem ocorrer devido à atividade residual nos músculos, como espasmos, contrações musculares ou liberação de gases. No caso de bebês, cujos músculos e sistema nervoso ainda podem estar mais reativos, esses espasmos podem ser mais perceptíveis — esclarece.
Os movimentos são causados por reações químicas nos músculos, de acordo com ele.
— Esses movimentos, chamados de rigor mortis ou espasmos cadavéricos, são causados por reações químicas nos músculos que ainda ocorrem por um curto período após a morte, antes que o corpo entre em um estado de rigidez — continua.
Ele destacou que as situações não necessariamente significam que a pessoa não está morta.
— É importante notar que, embora possa parecer que o corpo esteja se movendo, esses movimentos são puramente reflexos involuntários e não indicam qualquer sinal de vida — conclui.
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