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27/06/2024 às 11h07min - Atualizada em 27/06/2024 às 11h07min

Santa Catarina: a terra das enchentes teve nos últimos dois anos o dobro de ocorrências hidrológicas

Cidades enfrentaram nos últimos meses cheias sem precedentes, com prejuízos milionários

Bianca Bertoli / Don Carlos Leal
NSC TOTAL
Régua do Rio Itajaí-Açu, em Blumenau em 2023. Mitigação e adaptação são palavras-chave de especialistas e autoridades para evitar novas tragédias. - Fotos: Patrick Rodrigues / Reprodução
Quando Eliazar Branger, de 38 anos, saiu de casa para buscar abrigo na residência da irmã, a água batia no peito dele. Morador de Rio do Sul, o homem e a família fazem parte dos 18 mil prejudicados pela segunda maior enchente da história da cidade de 72 mil habitantes, no Alto Vale do Itajaí. O episódio em novembro do ano passado foi apenas um dos sete que se repetiram no final de 2023, algo nunca antes visto na região. 

As chuvas sem precedentes no último ano trouxeram prejuízos a Santa Catarina em patamares superados apenas pela maior tragédia climática do Estado, vivida em 2008. À época, mostram dados da Defesa Civil, mais de 2 milhões de catarinenses foram afetados pelas inundações e milhares de deslizamentos. Soterramentos mataram 135 pessoas e 78 mil ficaram desalojadas ou desabrigadas. Conforme o Atlas Digital de Desastres no Brasil, em 2008 os danos materiais em Santa Catarina somaram quase R$ 4 bilhões. Em segundo lugar está 2023, com R$ 1,5 bilhão.

Eliazar nasceu em Rio do Sul e como tantos outros catarinenses sabe que se o assunto é enxurrada ou enchente, não se trata de “se”, mas sim de “quando”. Ele mora às margens do Rio Itajaí-Açu e criou o próprio plano de ação para os dias em que o nível do rio sobe. O bancário e a esposa já têm uma sequência a ser seguida na hora de encaixotar os objetos, sabem para onde ir e o que erguer.

Esse planejamento familiar é o primeiro conselho que o secretário da Proteção e Defesa Civil de Santa Catarina, Fabiano de Souza, dá aos catarinenses sobre o cuidado individual. A chamada autoproteção é ter conhecimento sobre quais riscos o morador está exposto no lugar onde mora e se antecipar ao problema, mapear os riscos. 

Eliazar, a companheira e a filha de cinco meses conseguiram sair a tempo em todas as enchentes que enfrentaram no fim do ano passado. Em novembro, a água invadiu o imóvel rapidamente, chegou a 1,60 metro no segundo andar e o bancário, que estava consertando os estragos causados pelas cheias de outubro, amargou novos prejuízos. Ele calcula, no total, R$ 50 mil em perdas materiais. Rio do Sul foi o município catarinense que mais danos privados teve por conta das chuvas em 2023, com R$ 12,8 bilhões, ainda de acordo com o Atlas.

As mudanças climáticas estão por trás dos fenômenos, cada vez mais frequentes e destrutivos. Com o planeta mais aquecido devido ao aumento desenfreado dos gases do efeito estufa por conta das atividades humanas, os números e projeções da comunidade científica mostram um futuro preocupante se intervenções não ocorrerem. 

O inventário brasileiro de emissões de gases do efeito estufa evidenciou que cerca de 40% desse envio de poluentes à atmosfera tem origem no desmatamento, comenta a doutora e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues. A outra parcela, ainda maior, vem da queima de combustíveis fósseis. Santa Catarina não tem o próprio inventário, o que dificulta saber exatamente quais são os pontos a serem melhorados a nível estadual, comenta a especialista.

Outra unanimidade entre os especialistas são as “frentes” que precisam ser atacadas diante das mudanças climáticas: mitigação e adaptação. Na mitigação está a redução dos gases, algo maior, que precisa de políticas públicas a nível internacional, reforça Regina. Não adianta um país trabalhar na redução dos poluentes e os demais ignorá-la, já que a emissão afeta o planeta como um todo. 

A adaptação citada pelos pesquisadores é literalmente se adequar ao “novo normal”. Observações recentes revelam que a terra está com a temperatura 1,2ºC acima da média. É uma mudança de patamar diretamente relacionada aos ciclos dos fenômenos meteorológicos, explica o doutor e professor do Instituto Federal de Santa Catarina, Mário de Quadro.  

Isso significa que as alterações na atmosfera responsáveis pelos eventos extremos ocorrem de forma mais rápida e repetida. Um exemplo recente e emblemático foi o que aconteceu no Rio Grande do Sul em abril deste ano. Cidades inteiras foram destruídas por uma enchente violenta. Um estudo internacional, que teve a participação de Regina, mostrou que o volume de chuva registrado durante o período no Estado gaúcho é considerado extremamente raro, com possibilidade de se repetir a cada 250 anos.

No entanto, com o aquecimento global caminhando para os 2ºC acima da média, esse intervalo pode cair para 20 anos, o que exige que as cidades estejam cada vez mais preparadas. Não foi o caso do Rio Grande do Sul, na avaliação de Regina e outros cientistas, que apontam que todos os sistemas de adaptação falharam. Eliazar viu de perto o resultado disso. 

Mesmo sentindo no bolso cada cheia registrada em Rio do Sul, o homem faz parte de um grupo que atua principalmente em momentos de enchentes. Amizades que começaram por uma paixão em comum, os veículos 4 por 4, deram origem há cerca de cinco anos aos “Voluntários 4×4”, que decidiram sair do município e ampliar a rede de solidariedade para os gaúchos. Semanas atrás, Eliazar e alguns amigos juntaram doações de moradores e empresas, e seguiram para Muçum, devastada pela catástrofe no Rio Grande do Sul. 

— O que mais marcou foi a tristeza das pessoas. Elas não têm esperança de reconstrução— lamenta.

O que aconteceu no Rio Grande do Sul serviu como um alerta para o catarinense, que demonstrou mais preocupação em cobrar do governo projetos que evitem que o Estado passe pelo mesmo, analisa o secretário da Proteção e Defesa Civil. Porém, o papel de cada morador vai muito além disso. 

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